A psicanálise e os lestes

A psicanálise e os lestes, vol. 1 é o volume inaugural de um projeto que procura esgarçar um espaço para ventilar e tensionar, a partir de balizas e referenciais diversos, o próprio balizamento linguístico-geográfico e suas consequências para a psicanálise e, eventualmente, outras disciplinas que nela possam reverberar. O intuito da série é trazer ao leitor brasileiro reflexões de autores de diversos países e orientações que escrevem sobre a sua clínica, a transmissão e as inscrições da coisa freudiana em diferentes contextos linguísticos, geográficos, políticos e culturais. As traduções são sempre diretas dos originais em que foram escritos os capítulos e, neste primeiro volume, colocam em cena Hungria, Argélia, Armênia, Rússia, Grécia e China.

Contribution de Janine Altounian :
" O intraduzível entre os ecos cálidos e os ecos assassinos de uma mesma língua*" , * “L’intraduisible entre les échos chaleureux et meurtriers d’une même langue”, traduzido por claudia berliner. [a primeira versão deste texto — publicada em Cliniques méditerranéennes, n. 90. 2014/2. Paris: érès — foi revista e atualizada pela autora (n. do e.)]. L'article a été également publié en 2016 dans la revue de psychanalyse Lacuna sous le titre : "Traduzir o que não pôde ser dito".

Deslocar e deslocar-se para o leste de nós mesmos

Por Paulo Sérgio de Souza Jr.

Se Nietzsche, para questionar as ficções lastreadas na moral que o afligia, pode afirmar, na epígrafe de uma obra que carrega como título justamente Morgenrötehaver “tantas auroras que não brilharam ainda”, cumpre notar a significância transformadora da penumbra que precede, colorindo de vermelho (rot), a “chegada” da manhã (Morgen) — apesar, e claro, de essa chegada ser propriamente uma ficção, uma vez que esse movimento está do nosso lado, mesmo que não depreque nossa iniciativa. Podemos ler aí, por conseguinte, tanto a inevitabilidade daquilo que se fixa no que se movimenta — e que, por isso mesmo, denuncia e demanda desconstruções — quanto a ditosa ocasião de surgirem narrativas outras, sincopadas na indistinção entre a noite e o dia, entre o son(h)o e a vigília, para promover um outro tempo e uma outra cena, rearticulando as já existentes fixões, como diria Lacan.

É na esteira dessa expectativa, então, que se constrói este projeto, o qual, tendo tomado o seu mote da escrita de “O analista e os bárbaros”, presente neste volume, procura esgarçar um espaço para ventilar e tensionar, a partir de balizas e referenciais diversos, o próprio balizamento linguístico-geográfico e suas consequências para a psicanálise e, eventualmente, outras disciplinas que nela possam reverberar; e para enfocar, com isso, o fato de que, se há movência para além das órbitas fixas e das frases feitas, os lestes (auroras, cesuras e suspensões) são plurais, vários e heterogêneos: em sempre penúltima instância, depois de contornarem os âmbitos da teoria, espiralando-se, rocam o ponto de partida e desencontram-se de si mesmos, vendo-se noutras paragens, deslocando-se e deslocando-nos para leste de nos mesmos.